Era noite quando Ariana deu à luz a um casal de gêmeos. A leoa imaginava que seus filhotes herdariam sua pelagem marrom-avermelhada ou o tom alaranjado com creme de Wiba. Mas, para surpresa dos dois, os pequenos nasceram completamente negros. A fêmea mais velha carregava os olhos esverdeados da mãe, e o macho, o brilho alaranjado do pai. Para o casal real, aquilo não era um acaso; acreditavam que seus filhotes tinham sido tocados por Mkuu. Eram os primeiros nascidos com melanismo em todo o reino.
Exausta, porém serena, Ariana observava seus bebês soltarem miados suaves e desajeitados.
— Perfeitos — murmurou, rindo baixinho. Algumas lágrimas escorreram de seus olhos. Wiba, deitado a seu lado, respondeu com uma lambida carinhosa. — Meus bebês... meus dois anjinhos.
Os leões ao redor assistiam à cena com sorrisos leves. O parto fora longo e difícil; todos estavam tensos e esgotados. Agora, o alívio percorria a caverna como um sopro novo.
Ariana bocejou.
— Descanse, minha flor do deserto — sussurrou Wiba, aproximando o focinho do dela. — Está exausta... e nossos gêmeos também.
Ela esfregou o rosto na bochecha do parceiro, arrancando dele um riso contido.
— Durma também, querido — murmurou, acomodando-se e fechando os olhos.
Wiba observou a rainha por um instante, sorrindo, e então apoiou a cabeça nas costas dela. Logo, adormeceu ao seu lado.
[...]
Faziam três semanas desde o nascimento de Akili e Kisai. Apesar de ainda desengonçados, os gêmeos já corriam e brincavam pelo reino, enchendo o ar com miados e risadas. Ariana e Wiba, embora rigorosos quando precisavam, eram pais afetuosos — mas quase sempre ausentes, ocupados com patrulhas, reuniões e caçadas. Assim, os filhotes passavam boa parte do tempo sozinhos na caverna, acompanhados apenas pelos outros pequenos do bando.
Em uma manhã nublada, os gêmeos dormiam profundamente enquanto os reis saíam novamente com o grupo de caçadores. A caverna estava silenciosa... silenciosa demais para os perigos que rondavam sua entrada.
Um leão alto, de pelagem clara e o rosto oculto por um crânio de leão, atravessou a abertura com passos calculados. Três outros machos o seguiram, cada um usando um crânio diferente como máscara. O mais robusto permaneceu na entrada, vigiando como uma sentinela macabra.
Os invasores percorreram a caverna com os olhos, atentos a qualquer movimento.
Além de Akili e Kisai, havia vários outros filhotes ali, mas a maioria era frágil demais para sobreviver longe das mães. Os gêmeos eram, claramente, o alvo.
Com precisão assustadora, o leão mais alto aproximou-se e, num gesto rápido, agarrou Akili pela pele do pescoço. A filhote soltou um miado agudo de pavor, acordando Kisai. O pequeno, arrepiado e trêmulo, sibilou e ergueu as garras em defesa, mas seu tamanho ínfimo nada representou. Um dos machos comentou algo na entrada da caverna, distraindo Kisai por um instante — instante suficiente para ser capturado também.
As tentativas de chamar ajuda ecoaram pela caverna, mas o destino já estava selado. O choro dos outros filhotes começou a aumentar, denunciando a invasão. Os sequestradores arrancaram os gêmeos de lá e saíram correndo.
A fuga foi caótica.
Os machos dispararam para fora do oásis como sombras. Atrás deles, a vegetação densa e úmida se encolhia, dando lugar à areia aberta e ao vento quente do deserto. O leão alto carregava Akili; o outro, Kisai. A cada salto, os filhotes se chocavam contra o peito dos sequestradores, miando alto. O vento morno da manhã batia nos rostos deles, cortante.
— Estão acordando os demais — resmungou um dos invasores. — Se gritarem muito, vão chamar atenção.
— Então corram mais rápido — retrucou o leão alto.
Eles se aventuraram pelas dunas, contornaram rochas e desceram barrancos em investidas arriscadas. O terreno era árido e seco; pisavam em cascalho, em ossos antigos e em arbustos espinhentas. Às vezes, paravam para ouvir.
Longe dali, um rugido ecoou.
— Os guardas perceberam — sibilou o leão robusto. — Temos pouco tempo.
Seguiram ainda mais fundo no território proibido: onde a terra era escura, o solo rachado e o cheiro de predadores era mais forte. Akili e Kisai começaram a ficar cansados. Seus miados diminuíram, mas não cessaram.
Então um dos leões ergueu a cabeça, atento.
— Ouviram isso?
Não era um rugido. Era um coro distante, abafado, como se o próprio vento sussurrasse.
Os sequestradores não pararam, mas aceleraram a corrida. Saltaram sobre raízes grossas, cruzaram córregos secos, desviaram de trilhas usadas por hienas e chacais. Ainda assim, o som de passos atrás deles aumentava.
— Eu os distraio — disse o mais esguio do grupo, com a pelagem marrom, olhos azul-escuros e uma juba negra apenas começando a brotar. — Levem-nos para longe.
Os outros três assentiram e aceleraram, desaparecendo entre as rochas. Ele se lançou para outra direção, rugindo para chamar atenção, desaparecendo por entre as dunas.
Os outros três avançaram. E então o terreno começou a mudar.
A areia mais clara se transformou em solo escuro e úmido. A vegetação reapareceu, mas não era mais a do oásis. Era algo diferente: um mar de lavandas selvagens, roxas e ondulando com o vento como a fronteira final do reino.
O perfume era quase sufocante.
Eles atravessaram o campo correndo. O cheiro doce envolveu o ar inteiro, pesado, hipnótico.
Akili e Kisai lutaram contra o sono, mas o aroma tomou conta de seus sentidos. O medo virou torpor; o torpor virou escuridão.
Quando finalmente acordaram — de noite, ou talvez madrugada — estavam em um buraco profundo, alto demais para que dois filhotes tão jovens escalassem. Akili tentou se mover e esbarrou em um galho seco, que estalou alto na escuridão, arrancando outro miado assustado dela. Logo os dois choravam, confusos e desesperados.
Uma sombra surgiu na abertura acima deles. Depois outra.
Um leão desconhecido e uma leoa olharam para baixo, como predadores observando presas indefesas.
— O que acha, Garra de Águia? — perguntou o leão, arqueando a sobrancelha grossa. — Servem?
A leoa avaliou os filhotes com frieza.
— Não têm mais que um mês e meio — respondeu, entediada. — Amanhã começam os testes, junto dos outros. Parecem ter... potencial. Coração Negro e seus companheiros fizeram bem em sua primeira missão. São pequenos, mas fortes.
O leão assentiu, fazendo as poucas tranças em sua juba balançarem.
— Uma pena Vento Sufocante ter se ferido ao trazê-los — murmurou, frustrado. — Mas sobreviverá. O Grande Kiruki não abandonaria um de seus fiéis.
Garra de Águia concordou com um gesto seco. Antes de se afastarem, ambos lançaram aos filhotes um sorriso amargo, cruel — e desapareceram da borda do buraco.
Sozinhos novamente, Akili e Kisai tremiam. Não sabiam onde estavam. Não sabiam o que aconteceria. Só queriam o calor da mãe, o cheiro seguro do pai, o toque suave da família.
E então voltaram a miar, como se seus pequenos gritos pudessem atravessar a noite.
— S-s-socorro! — Akili tenta gritar, a voz tremendo. — Alguém, por favor!
— Ei, vocês dois! — uma voz feminina chama, vinda da direita do buraco onde eles estavam. — Não vai adiantar nada ficar chorando.
— Q-quem é você? — Kisai pergunta, ainda trêmulo. — O-ou… o que você é? E… onde estamos?
— Desculpem minha irmã — outra voz surge, da mesma direção. — Meu nome é Wazi. E essa é minha irmã, Wami. Bem-vindos às Terras de Kiruki.
— Pelo menos é como os lunáticos chamam esse lugar. Mas aqui não passa de uma terra seca e abandonada — Wami bufa, frustrada. — De onde vocês vieram?
— De um oásis rodeado por deserto — murmura Akili. — Mamãe sempre dizia isso. “Vivemos no mais belo oásis em meio às dunas”.
— Então vocês são da realeza? — Wazi parece sorrir. — Deve ter sido incrível!
— Era — Kisai resmunga. Ele se aproxima da parede de terra, se ergue nas patas traseiras e apoia as dianteiras no barro duro. — Vocês sabem como podemos sair daqui?
Silêncio.
— B-bem, não exatamente — Wazi responde, agora com um tom triste. — M-mas sabemos como sobreviver aqui.
— S-sobreviver? — os dois gêmeos perguntam ao mesmo tempo.
— Sim. De poucos em poucos dias, eles tiram os filhotes dos buracos. Hoje deve ser um desses dias — explica Wami. — Levam todos para um lugar aberto, uma espécie de arena, para ver como interagimos. — Ela faz uma pausa e pigarreia. — Dão comida, água e nos deixam brincar por algumas horas.
— Depois trazem todo mundo de volta para cá — completa Wazi. — E vão embora. No dia seguinte, levam alguns para um desfiladeiro para testar se conseguimos escalar. Quem sobrevive, volta. Quem não...
Wami interrompe:
— Houve um incidente com um casal de leões-da-Barbária há alguns anos, pelo que os outros contam. A filha deles se machucou feio, mas não foi trazida com eles. Depois de anos de lavagem cerebral, os dois se revoltaram e atacaram os fiéis. Nunca soubemos o que aconteceu com a filhote, ou se viveu. Só sabemos que tiveram outro filhote aqui, e ele não durou muito.
— Céus, parem de falar! — outra voz feminina surge, agora à esquerda de Akili e Kisai. — Estamos tentando dormir!
— Você reclama demais, Jioni — Wazi ri baixinho. — Ainda temos muito pra conversar antes dos adultos virem.
— Então conversem em silêncio — Jioni resmunga. — Vão acordar Safi e Mwezi.
— Desculpe — Kisai murmura. — Vamos ficar mais quietos.
— Ótimo — Jioni diz, e o buraco volta ao silêncio.
— E-ela é sempre assim? — Akili pergunta baixinho.
— Só de manhã — responde Wami. Akili consegue ouvir as duas caminhando dentro do buraco, provavelmente se ajeitando para dormir. — Wazi e Jioni têm razão. Temos muito o que contar, mas por agora é melhor descansar. Falamos depois.
Kisai e Akili se deitam também, ainda assustados, mas menos sozinhos.
— Bons sonhos pra vocês — deseja Wazi.
— Igualmente — respondem os dois príncipes.
[...]
Akili e Kisai despertaram ao som de passos pesados ecoando ao redor dos buracos. Silhuetas de leões passavam acima deles, retirando filhotes de seus poços e os carregando sem hesitação. Não demorou para que mãos firmes também alcançassem os dois gêmeos, puxando-os para fora da escuridão.
Choramingos e miados tomavam o ar. Filhotes recém-sequestrados imploravam por seus pais, mas seus chamados se perdiam no vazio — nenhum adulto demonstrava a menor compaixão. Akili e Kisai, como os demais, só podiam desejar que aquele pesadelo terminasse, mesmo sabendo que ninguém estava ouvindo suas preces.
A leoa que carregava Akili tinha pelagem creme e olhos azuis, marcados por um cansaço profundo. Havia tufos escuros nas orelhas e marcas sob os olhos, além de uma listra preta que se estendia pelo topo da cabeça. A filhote, olhando para cima, não pôde evitar a comparação: ela se parecia com Garra de Águia. Seriam irmãs?
Já Kisai era mantido firme na boca de um leão marrom, cuja juba, de um tom mais escuro, balançava levemente enquanto caminhava. Seus olhos — diferentes um do outro — carregavam irritação constante, e o aperto forte com que segurava o filhote mostrava que ele não pretendia permitir nenhuma tentativa de fuga.
Ambos foram levados até a arena mencionada pelas outras filhotes horas antes.
A luz intensa do sol quase os cegou ao chegarem à superfície, mas seus olhos logo se acostumaram. A arena era uma clareira de terra seca e funda, escavada de modo que qualquer filhote que tentasse fugir acabaria exausto antes de alcançar as bordas. Ao redor da parte externa, cães-africanos observavam atentamente, circulando como sombras famintas. Um filhote tentou escapar — e foi despedaçado em minutos. O cheiro metálico do sangue se espalhou pelo ar, deixando um silêncio pesado entre os sobreviventes.
O casal de leões desceu a fenda com facilidade, depositando Akili e Kisai numa área mais distante do resto dos filhotes.
— Comportem-se — rosnou o macho, cuspindo as palavras como se falasse com insetos. — E se enturmem.
Sem dizer uma única palavra, a leoa virou-se e acompanhou o parceiro para fora da arena.
Akili observou ao redor, encolhendo as orelhas contra o crânio. Kisai, em resposta, colocou-se imediatamente à frente da irmã, assumindo uma postura protetora.
— Vai ficar tudo bem — sussurrou ele, embora sua voz tremesse de determinação. Ele se eriçou e exibiu as garras ao notar um grupo de cinco filhotes se aproximando.
— Então vocês são os recém-chegados, hein? — perguntou a filhote mais escura, sorrindo de maneira leve. Os gêmeos apenas acenaram em resposta. — É bom finalmente ver o rosto por trás das vozes.
— V-você é a Wami? — Akili perguntou, espiando por trás do irmão.
— Uh-huh! E essa é a Wazi — disse a filhote, gesticulando para a irmã, que acenou com a pata. — E aqui estão Jioni, Mwezi e Safi.
As outras três filhotes abriram sorrisos acolhedores.
— Engraçado — comentou Jioni, erguendo uma sobrancelha. — Para dois filhotes tão barulhentos, vocês estão bem quietinhos agora.
Akili e Kisai a encararam por alguns instantes... até rirem junto dela.
Mesmo imersos num cenário cruel, a presença das cinco filhotes tornava tudo um pouco menos assustador. Talvez, juntos, fosse possível suportar o que quer que viesse a seguir.
[...]
Os dias se estenderam em semanas, e as semanas acabaram se transformando em quatro longos meses.
Apesar de seus métodos cruéis e suas intenções distorcidas, os fiéis mantinham os filhotes bem alimentados e os treinavam com disciplina implacável. Cada dia havia novas lições: desde o básico da caça até como derrubar e incapacitar um adversário. Os pequenos aprendiam rápido — não por bravura ou lealdade, mas porque buscavam desesperadamente qualquer migalha de aprovação, calor ou afeto.
E, contra a própria vontade, estavam ficando bons nisso.
A lua, fina como um dente de marfim, mal iluminava o acampamento.
Os adultos e filhotes dormiam pacificamente e a savana estava quieta, salvo pela estridulação constante dos grilos.
Passos silenciosos acordam Jioni, que ergue a cabeça e acorda as irmãs. As três filhotes olham para o topo do buraco, se deparando com um par de olhos as encarando.
— Obi? — A cabeça de Jioni se inclina em confusão ao ver o cão-africano e a voz dela sai em um sussurro.
Obi era encarregado de cuidar das sete filhotes, os impedindo de fugir dali e os trazendo de volta sempre que se afastavam muito do acampamento dos fiéis.
— Shhhh… sim, pequena. Venham. Todas vocês. — a voz do cão tremia.
Jioni foi a primeira a pular para fora. Safi, a menor das três, subiu logo em seguida, puxada com cuidado por Jambo, irmão de Obi.
— E os outros filhotes? — perguntou Mwezi em tom baixo, olhando ao redor.
Obi fechou os olhos por um instante, se concentrando em auxiliar as outras quatro filhotes a saírem de seus buracos.
— Não posso salvá-los. Não hoje. Mas se vocês escaparem... talvez haja chance para os demais.
Um ruído surdo ecoou ao longe: um leão se virando no sono. Outro resfolegou.
E então—
O ataque começou.
De todos os lados, cães-selvagens — parentes de Obi, exaustos de servidão e abusos constantes da parte dos cultistas — emergiram da escuridão. Eles saltaram sobre os leões adormecidos, não para matá-los, mas para afastá-los, desorientá-los, impedir que reorganizassem a vigília. Um caos abafado tomou o acampamento: estalos, passos apressados, rugidos despertos e confusos.
Obi arregalou os olhos.
— Eles começaram antes do previsto. Temos que ir! Agora!
As sete filhotes correram atrás dos dois cães, atravessando a parte mais externa do acampamento. O cheiro de poeira levantada, o som dos cultistas tentando entender o ataque, e o medo cru que pulsava em cada jovem coração tornava o ar pesado. Não demorou para o irmão de Obi, Jambo, se juntar ao grupo.
Jambo os guiou por um corredor natural entre rochas.
— A fronteira fica logo adiante. A floresta é pequena, mas ninguém vai procurar vocês lá durante a noite — disse em tom urgente.
Ao longe, a luta aumentava de volume — rugidos mais fortes, latidos graves e determinados.
Kisai olhou para trás, hesitando. As orelhas da pequena se achataram contra a cabeça. — Vão... vão morrer por nossa causa?
Obi parou por um instante, apenas o suficiente para colocar seu focinho na testa dela.
— Eles vão lutar por liberdade. E nós também.
Seguiram.
A savana começou a dar lugar às primeiras árvores de Anida — troncos tortuosos, copas baixas, arbustos que escondiam a lua. A brisa era diferente ali, mais úmida, mais viva. A fronteira.
Mas antes de cruzarem completamente a divisória natural entre os reinos, Obi os fez parar.
— É aqui que nos despedimos — o cão-africano vociferou em tom baixo.
— O quê? — Akili deu um passo à frente, ofegante. — Vocês vão voltar?
— O clã precisa de nós. Se não ficarmos, o ataque falha... e ninguém mais escapa — Jambo sorriu com tristeza.
Obi tocou o ombro de Akili com a pata.
— Vocês sete são a chance de um futuro diferente. Entrem na floresta. Há uma clareira adiante onde podem descansar. Mas fiquem juntas. Sempre juntas.
— E não sigam o curso do rio — acrescentou Jambo. — Os cultistas conhecem cada curva dele.
Akili, com seus olhos brilhando de medo e coragem, baixou a cabeça.
— Obrigada. Por tudo.
Obi e Jambo deram meia-volta. O som da luta distante agora parecia mais perto.. Era como se a noite puxasse os dois de volta para o destino que escolheram.
— Corram, e rápido — disse Obi, antes de desaparecer entre as sombras.
As sete filhotes correram floresta adentro, suas sombras se fundindo com a penumbra verde.
Atrás delas, o eco da batalha continuava, com o cheiro metálico seguindo forte.
À frente, a clareira esperava.
E assim, pela primeira vez desde o sequestro, as sete correram em direção ao próprio futuro.
[...]
A floresta era pequena, mas para sete filhotes recém-escapadas, com as patas fracas e os estômagos vazios, parecia um labirinto interminável.
No início, quando Obi e Jambo desapareceram de volta para a savana, as filhotes correram juntas com os corações acelerados, instintivamente mantendo-se próximas, seguindo a única orientação dada: não se aproximar do rio. A primeira noite passaram acordadas, escondidas sob um monte baixo de raízes retorcidas, enquanto a floresta murmurava sons desconhecidos — grilos, corujas, folhas que estalavam quando ninguém parecia estar ali.
Kisai mantinha a cabeça erguida apesar do cansaço, sempre espiando a escuridão. Akili tremia, não de frio, mas de medo; o mundo além do culto era grande demais. As trigêmeas murmuravam entre si, tentando adivinhar direções com base no cheiro do vento, mas tudo ali parecia igual. Wami e Wazi se encolhiam uma na outra, as mais novas torcendo para que, ao amanhecer, tudo fosse apenas um pesadelo.
Elas caminharam por quase dois dias — talvez três, era impossível contar.
A floresta tinha sombra, mas pouca comida. Os insetos zumbiam longe demais, e os arbustos não ofereciam frutos ao alcance de filhotes. A água... essa era a pior parte. Elas tentavam lamber a umidade das folhas, mas isso não sustentava ninguém por muito tempo.
Akili fazia o possível para mantê-las organizadas:
— Caminhem devagar... parem quando ouvirem algum som... ninguém se separa.
Mas conforme as horas e dias passavam, suas vozes ficavam fracas. As patas pesavam. Os olhos azulados das trigêmeas ardiam de cansaço. Akili cambaleava. Até Kisai, a mais forte, sentia o mundo girar quando piscava por tempo demais.
A floresta era viva, mas indiferente. Ela as murmurava para frente e para dentro, sem portas claras nem caminhos marcados.
No final da tarde de um desses dias, Wazi tropeçou. Wami tentou segurá-la. As duas caíram juntas, e Akili correu, mas demorou mais do que pretendia — suas patas pareciam afundar na terra.
Quando finalmente alcançaram a pequena clareira no centro da floresta, todas já respiravam com dificuldade. A luz solar penetrava ali mais forte, iluminando a grama baixa e alguns troncos caídos. O local parecia seguro mas quente demais, aberto demais, silencioso demais.
— Safi quer descansar… — sussurrou Safi, com a voz quase inexistente.
Akili sabia que parar ali era perigoso. Mas também sabia que nenhuma seria capaz de continuar.
Ela assentiu, mas antes que pudesse dizer algo, seus joelhos dobraram sozinhos. As trigêmeas se aninharam juntas. Wami e Wazi deitaram encostadas.
Kisai, com os olhos laranja semicerrados, deitou a cabeça sobre a de Akili.
A fome doía, mas de uma forma que não deixava pensar. A sede ardia tão profundamente que era difícil até de respirar.
E então, o mundo das sete ficou nebuloso, distante e, uma a uma, as filhotes simplesmente desmaiaram na grama.
Quando a patrulha de Anida encontrou-as, foi quase por acaso.
O grupo — duas leoas adultas e um jovem leão — cheirava o ar para investigar sinais de invasores quando algo incomum chamou atenção: o cheiro de filhotes, muitos, fracos e não pertencentes ao orgulho.
A primeira leoa a chegar ofegou suavemente ao vê-las espalhadas pela clareira.
— Pobrezinhas... — murmurou, seus olhos âmbar brilhando de preocupação.
A outra leoa, mais velha, aproximou-se devagar, preocupada:
— Não são nossas. Nem da fronteira oeste — comentou com a testa franzida.
— E estão morrendo de fome — completou o leão jovem, abaixando-se.
As filhotes respiravam de forma leve e irregular. Wazi mal se movia. Akili, mesmo inconsciente, mantinha o rosto virado na direção de Kisai.
As leoas se entreolharam. Não podiam deixá-las ali.
— Vamos levá-las para o reino. Rápido. Elas não têm mais tempo. — Sem hesitar, a mais velha pegou Wazi primeiro, com toda suavidade que tinha, encaixando a filhote em sua boca com o cuidado de uma mãe.
E assim, no crepúsculo que começava a cair, o orgulho de Anida levou as sete filhotes inconscientes para a segurança do reino.
Elas tinham escapado do culto.
Tinham sobrevivido à floresta.
Estavam indo para um lugar onde ninguém esperava que lutassem — apenas que vivessem.
[...]
A primeira coisa que Akili sentiu foi o aroma leve de ervas secas e pedra quente. Depois, a sensação do próprio corpo — pesado, mas estranho e confortável, como se estivesse deitada em algo muito mais macio do que o chão duro da floresta de Anida.
Quando abriu os olhos, a claridade suave de uma manhã filtrava-se pelo teto da caverna. O ar era fresco, e o murmúrio distante de vozes de leões vinha lá de fora, misturado ao som da brisa.
Ela piscou várias vezes antes de perceber que não estavam mais no acampamento cultista. Nem na floresta.
Estavam seguras.
Akili ergueu a cabeça e olhou ao redor. As outras seis estavam enroscadas próximas a ela, respirando profundamente.
Kisai repousava a cabeça sobre sua pata. Jioni, Mwezi e Safi formavam um emaranhado marrom e Wami e Wazi estavam abraçadas uma à outra, como sempre.
Akili respirou fundo, sentindo o alívio crescer e então se aproximou da irmã.
— Kisai… acorde — sussurrou, encostando o focinho nela.
Aos poucos, Kisai abriu os olhos laranja brilhantes, confusa, mas sem medo.
— Kili…? Onde estamos? — A filhote se levanta com dificuldade
— Não sei. Mas acho que estamos salvas.
As duas então acordaram cada uma das outras, sempre com toque leve e voz suave. Em alguns minutos, sete pares de olhos olhavam ao redor com espanto sonolento.
— Vamos lá fora — disse Akili. — Devemos descobrir quem nos trouxe até aqui.
Todas concordaram, ainda meio trôpegas, e seguiram juntas.
Quando saíram da caverna, os olhos delas se arregalaram.
O mundo aberto se estendia diante delas. Grandes rochedo, gramados ondulantes sob o vento, leões e leoas repousando ao sol, alguns brincando com os filhotes, outros conversando sob a sombra de árvores esguias. Ao fundo, logo no horizonte, a floresta que haviam atravessado se erguia como um colar verde.
Era bonito. Era vibrante.
Era vivo.
E no centro de tudo, deitado na grama com duas pequenas bolas de pelo brincando em suas costas, estava ele — o leão que as notou primeiro.
Seu corpo era grande, forte e de contornos arredondados; a pelagem amarelada brilhava ao sol, e a juba vermelha parecia arder como carvão recém-aceso. Seus olhos verde-azulados eram gentis, atentos e curiosos.
O leão riu quando um de seus filhotes — um pequeno macho — tentou escalar sua cabeça, perdendo o equilíbrio e mordendo a orelha do pai para se recuperar.
— Hakuwa, isso faz cócegas! — gargalhou o macho.
A filhotinha ao lado, Adanna, riu também, com um brilho adorável de alegria.
Quando Thadi viu as sete filhotes saindo da caverna, ele parou a brincadeira e se levantou com calma, deixando os dois filhotes se ajustarem ao seu lado. Caminhou até elas com passos firmes, mas amigáveis.
— Estão acordadas. Que bom — sua voz era calorosa como o sol matinal. — Peço desculpas por deixá-las sem supervisão.
As filhotes instintivamente se aproximaram umas das outras, tensas mas não apavoradas. Thadi se abaixou para ficar mais próximo de sua altura.
— Meu nome é Thadi, pequenas — os olhos dele analisaram cada uma delas, mas sem o julgamento predatório que estavam acostumadas. — Estiveram desacordadas por quatro dias. Quatro longos dias.
Jioni arqueou as sobrancelhas. — Tudo isso?
Thadi sorriu.
— Três de meus leões as encontraram na floresta enquanto faziam patrulha. Um deles voltou para cá e relatou a descoberta. Mandei um pequeno grupo de resgate quando uma das fêmeas voltou com uma de vocês na boca — fez uma pausa, notando a expressão desconfiada das filhotes. — Chegaram desacordadas. Tivemos dificuldade em alimentá-las... mas conseguimos.
Hakuwa, orgulhoso, inflou o peito.
— Eu ajudei! — disse ele, aproximando-se do grupo. — Mamãe e as outras leoas deram carne mastigada pra vocês. Você cuspia tudo no começo… — olhou para Wazi com um sorriso apologético.
Wazi corou e se encolheu atrás de Wami.
— Mas depois parou! — completou Hakuwa, muito satisfeito com a própria informação.
Thadi soprou ar pelo nariz, divertido.
— Este é Hakuwa. E esta aqui — tocou a cabeça da filhote fêmea com a cauda —, é minha Adanna.
Adanna sorriu timidamente para o grupo de recém-chegadas.
— Estão se sentindo melhor? — perguntou ela, com um cuidadoso toque de preocupação infantil.
Akili assentiu.
— Sim... obrigada por terem cuidado de nós.
Antes que Thadi pudesse responder, uma figura avermelhada surgiu correndo do lado esquerdo da clareira. Era um leão jovem, de postura séria e olhos atentos.
— Majestade! — chamou, reverente. — Nyekundu se apresenta. Vim entregar o relatório de patrulha.
Thadi suspirou, resignado, levantando-se com dificuldade.
— Conversaremos na caverna, Nyekundu — o rei respondeu, virando o rosto para os filhotes. — Hakuwa, Adanna, leven-nas para conhecer o reino e brincar. — Abriu um sorriso apologético. — Mais tarde sua mãe irá buscá-los para suas lições.
Adanna baixou as orelhas.
— Ah, papai, tem que ir mesmo? — A filhote pergunta tristonha.
Thadi se virou, e por um instante, os olhos verde-azulados brilharam de ternura e culpa.
— Eu sei, minha estrela. Eu sei. — Ele tocou o topo da cabeça dela com a pata. — Prometo que volto ainda hoje. Apenas... preciso resolver isso.
Adanna forçou um sorriso — pequeno, triste, mas corajoso.
— Está bem, papai — assentiu, baixando o rosto.
Thadi se endireitou, respirou fundo e seguiu Nyekundu com passos pesados de dever.
Adanna solta um suspiro triste quando Thadi e Nyekundu se afastam.
— Você sempre diz isso... — ela resmunga.
As sete filhotes observavam a cena, silenciosas, algumas entendendo mais do que deveriam.
— B-bem... Por que não levamos as meninas para conhecer nossos amigos, Adanna? — Hakuwa tenta animá-la. A princesa suspira em resposta e acena com a cabeça. — Então, vamos!
O príncipe começa a correr na frente, sendo seguido pelas sete filhotes. Adanna, apesar de hesitar, os seguiu lentamente.
A última a chegar a área de filhotes foi a princesa de pelo creme. Seu humor tinha azedado pela promessa vazia de Thadi. Ela sabia que o pai era ocupado e tinha responsabilidades com o reino mas esperava que, pelo menos hoje, pudesse ficar mais de dez minutos com ele.
Dando um último suspiro, Adanna abre um sorriso pequeno e forçado e começa a correr com os outros.
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OLÁ TERRÁQUEOS SAUDAÇÕES )0)
Sua alienígena favorita está de volta. Turu bom com vocês? Espero que sim -w-
AI QUE MARAVILHA, EU REESCREVI ESSA PORRAAAAAAAAAAAAAA
**cahem** Digo, digo... Eu reescrevi, finalmente, o capítulo. Depois de muita procrastinação, bloqueios criativos, luta, sufoco, raiva, ódio e...parei, parei.
Bem, eu queria mudar algumas várias coisas na escrita dos capítulos e percebi que tinham muuuuuitos furos de roteiro. Então, ao invés de humanos, os antagonistas vão ser um grupo de cultistas, por que, porque não, né?
Enfim, era só isso mesmo.
Por hoje é só. Espero que tenham gostado. Um beijo da Nathy, fiquem com Kami e bye -3-